2015

O Drops de Renata - Laura Vinci

Galeria Pilar


Numa recente matéria de jornal sobre a exposição de Renata Tassinari no Instituto Tomie Othake, a artista fez o seguinte comentário: “Eu quero que minhas pinturas tenham a alegria da cor das telas do Matisse, e considero mesmo que sou uma colorista”. Acho que muitos artistas gostariam que seu trabalho tivesse algo a ver com a obra de Matisse: a elegância, a franqueza, a beleza, a pureza ou a genialidade. Renata escolheu a alegria. E ela mesma é uma colorista. E uma colorista muito particular porque tem a estranha capacidade de tratar a sua palheta como se fosse toda ela feita de cores puras. Mesmo quando as cores estão misturadas ao branco ou ao preto, o que faria com que elas diminuíssem sua intensidade, continuam pulsando como cores puras. Até mesmo quando usa o cinza. Esse é um aspecto intrigante da sua pintura, que não bate com os manuais de teoria da cor.

Ao olhar uma pintura sua – qualquer uma – aquela que tem dois quadrados laranja, potentes, lado a lado - um fosco, outro brilhante - ao lado de um quadrado vinho profundo e de um recorte também quadrado de lâmina de madeira, me pergunto o que faz o quadro se manter uno. Em tese, cada quadrado de cor está vibrando numa potência diferente e isso faria com que tivéssemos uma percepção desconfortável do todo, mas não é isso que acontece - muito pelo contrário, temos uma profunda sensação de tudo estar serenamente no lugar. Será que essa unidade se dá porque as cores estão pintadas em partes separadas? Cada cor tem seu quadrado, sempre. Como os dadinhos de cor dos estojos das aquarelas ou como os Drops Dulcora - cada cor embrulhada no seu papel celofane.

Mesmo quando os quadrados são levemente diferentes: quando a cor está dentro da moldura acrílica deixando a borda branca aparecer (para mim uma declaração profunda de admiração pela obra de Mira Schendel ), diminuindo levemente o tamanho do quadrado de cor; ou quando a cor está atrás da superfície brilhante do acrílico; ou mesmo quando a cor é fosca sobre o acrílico; e ainda , quando ela é um quadrado de uma folha de madeira. Porque tudo isso junto parece ser um?

Olhando alguns trabalhos mais recentes, mais verticais, como os dois azuis diferentes separados por brancos, onde as áreas de cor têm tamanhos também diferentes, a unidade permanece. Sendo assim , a minha tese de que a unidade se dá por conta das cores estarem separadas em partes quadradas iguais, mesmo que levemente diferentes, não vale.

Mas foram esses novos trabalhos que me revelaram o segredo da unidade. A delicada pele branca de tinta a óleo, pintada sobre o acrílico, envolvendo toda a moldura é que fez, para mim, o tudo virar o todo. É essa estranha pele de cor que faz com que a pintura feita de partes seja um corpo só. Em todas elas, me lembrei daquela película finíssima que se forma no creme de maizena, muito fosca, em comparação com o seu conteúdo mole e brilhante, que era feito por nossas mães quando algo não estava bem de espírito ou do corpo. A comparação pode parecer mundana e doméstica demais, mas foi essa imagem que me fez entender que os trabalhos de Renata Tassinari habitam no mundo um lugar da tranquilidade, onde as maiores diferenças convivem serenamente. Talvez não seja a alegria de Matisse, mas é com certeza, um lugar apaziguado e feliz.