2002

Um Lugar Possível - Taisa Helena Pascale Palhares

Galeria Barô Senna

A capacidade de dividir de modo rigoroso os campos da tela para depois reuni-los mediante relações de cor, mas sem que essas mesmas divisões desaparecessem ao final do processo, anulando a independência de cada uma das partes, foi sempre uma das grandes qualidades do trabalho de Renata Tassinari. Em seus quadros, os contrastes entre as cores e superfícies produziam uma espécie de rítmica desigual entre as diversas partes, na qual um equalização redutora ficava de fora.

Esse processo parece ter se radicalizado nas pinturas recentes da artista. O que vemos agora é um retorno - após uma fase na qual procurou trabalhar com uma sentido maior de passagem fluida entre as cores ( exposição de 1998 ) e que transparece em alguns de seus desenhos apresentados hoje - da ordenação geométrica decidida da tela em faixas ou retângulos de igual medida que duplicam ou triplicam de tamanho conforme a cor das áreas.

Novamente surge aquela espécie de dinamismo irregular, a despeito da regularidade na divisão do quadro, advindo da relação entre superfícies e cores de qualidades diversas.

Assim como Matisse - que dizia assentar suas cores segundo um critério puramente sensível, observando sempre apenas as relações entre elas no instante mesmo de pintá-las - também Renata parece não obedecer a nenhuma ordem preestabelecida na escolha e instalação de suas cores, a nenhuma matemática facilmente identificável pelo espectador. Se vistas em conjunto as pinturas trazem tonalidades muito próximas, cada uma possui um movimento irredutível. Sua geometria de ar leve e maleável envolve o observador em seu bamboleio.

Desde seus primeiros trabalhos o espaço das telas originava-se de contrastes de opacidade e brilho, rugosidade e lisura - acidentes que retinham o olhar e determinavam o tempo de apreensão das pinturas. Entretanto, só agora, com a utilização dessas áreas cinzas opacas e expansivas (surgidas primeiro no desenho e em algumas construções da série de 2.000), combinadas com a luminosidade e espessura das zonas vermelhas, amarelas, verdes, laranja e azuis, sua rítmica consegue fundar uma dimensão efetivamente espacial para além dos limites impostos pela tela. Nessa nova produção, o movimento advindo de contrastes não é algo que produz apenas uma espaço interior, dinâmico mas fechado em si, antes permite a difusão, comunicação, da obra com seu entorno.

Aqui o cinza, como uma área de repouso para o olhar, ao mesmo tempo que parece se dilatar, projeta para frente os campos de coloração mais ativa, dando-lhes maior materialidade. De igual maneira, essas cores projetadas refletem na zona cinzenta, atribuindo-lhes valores e profundidade diversos. Esse movimento para frente e para trás, pontuando pelas divisões explicitas da tela, cria um espaço quase arquitetônico, com o qual o observador parece interagir.

Nos dias de hoje, um dos grandes desafios da pintura é ser capaz de com os elementos que lhe são próprios apontar um local no mundo, estabelecer uma posição de mediação reveladora entre o homem e o seu tempo (tarefa, aliás, não exclusiva desse meio, mas de toda construção artística) e isso sem qualquer ingenuidade. Em sua geometria que se deixa permear pelo mundo, que sabe responder as contingências, sem perder o seu prumo, Renata Tassinari instaura um lugar, no qual o convívio de regularidade e espontaneidade apresenta-se como uma realidade possível.