2023

Construções Planares - Paulo Venancio

A pintura de Renata Tassinari é, verdadeiramente, uma construção especial. O tratamento flexível do quadro, a articulação variável das partes, faz a pintura experimentar sucessivas alterações sem que a morfologia construtiva desapareça. Mais: ela e a cor são as fundações que permanecem e sustentam tais alterações e/ou variações um processo em que o quadro vai se tornando uma construção planar ””, e sua tradicional conformação adquire outras sucessivas conformações.

Nesse processo, a operacionalidade do trabalho faz surgir uma pintura/objeto ou um objeto/pintura, sintetizando qualidades visuais e materiais. Qualidades como transparências, opacidade, reflexos e texturas vão propor um uso calculado e variável de experiências visuais. Essa variedade também se manifesta nos materiais: madeira, acrílico, espelho se incorporam à pintura. Resulta daí que a materialidade tradicional da tela é frequentemente dispensada.

Por outro lado, a ordem geométrica permanece inalterada. As formas básicas, quadrado ou retângulo, podem ser esticadas e alongadas, horizontalizadas ou verticalizadas. Ou fazer surgir pinturas em L, como se o descolamento de cantos da moldura produzisse pinturas inscritas num ângulo reto. Uma discreta naturalidade pop mobiliza essas cores tão intactas, diretas, imediatas na sua visualidade aparente. Também precisas, íntegras, sólidas como coisas. Perfeitamente definidas, são, em si, elementos da construção e relação de posicionamento e agrupamento. Formam peças que vão se encontrando em justaposições precisas, poeticamente dosadas. Nada está ao acaso nessas construções precisamente calculadas. Mesmo o instável do espelhado uma novidade recente nada mais é do que uma extensão da luminosidade que a as cores exalam.

Assim essa forma/cor se expande e se comprime para caber nos espaços delimitados. Aqui me ocorre a famosa colagem O Caracol ””, de Matisse. É como se as cores tão matisseanas dessa pintura fossem retiradas diretamente dos papéis colados, como se fosse possível retirar e transportar a matéria cor ””. E, tal como na colagem, as formas aqui são blocos de cor que se combinam por vizinhanças em espaços vizinhos, definidos pela própria cor. Tal tendência à solidez que a cor manifesta leva à madeira, ao acrílico, o que faz relembrar a processualidade da minimal em utilizar materiais existentes. Uma elegante combinação da dureza da matéria e da luminosidade cromática. Há pintores construtivos, monocromáticos, mas poucos emprestam à cor a solidez das cores de Renata Tassinari. Digo a solidez de uma matéria impenetrável tal como a dureza de uma coisa. É o que se observa diante de suas pinturas, mesmo nas cores mais tênues. A cor está ali fixa, distinta, imóvel, sólida uma matéria manipulável à vontade, de acordo com as exigências do trabalho.

O formato é a cor, e a cor dá o formato. Conteúdo e continente, uma coisa só. Uma pintura que não é “pintada”, é construída, ao modo como as coisas são hoje. Vejo aí uma acercamento da realidade em volta. Um popque não é de imagens, mas um processo similar ao popatravessa aqui as cores; ou seja, a disponibilidade da monocromia pura, distinta, inequívoca, dá corpo à pintura. A cor é “objetivada”como “imagem”. É ela agora que se “instala”nos formatos mais diversos. Ao experimentar um formato longilíneo e alongado, sugere a aproximação a um limite; o quadro se torna uma “fresta”, um espaço mínimo, divergindo da aparição tradicional da pintura. Por outro lado, o acrílico espelhado reforça seu caráter material. Ainda assim, o quadro é cada vez mais uma estrutura formada por elementos simples: um objeto construído. Por meio de um processo de adição -soma de partes –, resulta o alocamento de cada seção de matéria cor; presenças luminosas tal como escalas, progressões, andamentos. Enfim, uma só, construções planares e cromáticas.