2022

Abstração: a realidade mediada - Rodrigo Naves

Abstração: a realidade mediada

Rodrigo Naves

I A exposição

Esta exposição apresenta uma mostra significativa de nove importantes artistas abstratos. São todos veteranos, com obras complexas e relevantes. Tenho grande familiaridade com suas produções. Poderia, claro, fazer outras escolhas. Sem dificuldade escolheria mais de cinquentas artistas que respeito.

Os limites de espaço e a intenção da mostra me levaram a estas escolhas. Espero que se justificarão por si mesmas.

Cássio Michalany, Paulo Pasta, Renata Tassinari

Com o objetivo de obter clareza, decidi aproximar alguns artistas com afinidades, de modo a tirar proveito de semelhanças e diferenças entre eles.

O uso de soluções geométricas conduz esses artistas a concepções de cores, materiais e formatos que tornam suas aparências e significados distintos entre si. Cássio Michalany por vezes utiliza faixas próximas às de Paulo Pasta e de Renata Tassinari. Pintar faixas não é nada demais. São vistas aos milhares nas ruas, meios-fios, nas estradas, ferrovias, toldos etc. No entanto...

Cássio Michalany trabalha com cores industriais, vendidas em lojas de materiais de construção, aplicadas de modo impessoal, mal deixando entrever as marcas do pincel. A sutileza de suas superfícies coloridas decorre da permutação das áreas, que assim mostram-se diferentemente dependendo da vizinhança de áreas azuis ou tabaco etc. A separação dada pelos estreitos perfis de madeira branca impede que as duas superfícies atuem reciprocamente entre si, como também queria Mondrian com suas telas mais conhecidas, neoplásticas.

As pinturas de Paulo Pasta usam cores que resultam de misturas que alcançam tons mais ou menos luminosos. As tintas a óleo unidas a cera de abelha e terebintina contrariam o que poderia restar de ostentação das cores. Cássio não interrompe suas áreas de cor. Paulo faz das verticais e horizontais surgirem cruzes improváveis, interrompidas.

O alicerce do mundo visual é dado pelas horizontais e verticais: o horizonte em que se dispõem seres e coisas. Em oposição, as verticais pontuam, com escalas e distâncias, a multiplicidade da realidade. Essas balizas precisam ser postas em questão para que a arte de Paulo Pasta se firme momentaneamente nos pés. Já a pintura de Cássio Michalany expõe a realidade como uma dança de cadeiras, um mundo permanente de posições instáveis, embora ambos insistam no fato de que as cores não são fatos autossuficientes.

Como Paulo e Cássio, Renata Tassinari tem também uma trajetória complexa. Antes de 2005 Renata tinha uma paleta bem mais característica e pintava figuras sobre telas. Em vários dos trabalhos realizados nos últimos anos, a artista utiliza placas de acrílico que são pintadas por trás, às vezes também na parte da frente. Renata escolha também cores que lembram tanto saborosos frutos quanto cosméticos. Diante delas, o observador tem sua atenção despertada pelos brilhos das superfícies do acrílico.

Assim as cores artificiais parecem indicar uma luminosidade radical e sua impossibilidade, já que as cores propriamente ditas se encontram amortecidas por uma camada de elemento transparente, as lâminas de acrílico, que anestesia a capacidade de as cores afetarem nossa sensibilidade.

Diante desses trabalhos experimentamos ao mesmo tempo algo da vivacidade das cores naturais — o vermelho das frutas, por exemplo — mais a neutralidade atraente de um anúncio de Coca-Cola. E, em vão, nos esforçamos para unir dois fenômenos que, por ora, ainda parecem ter naturezas incompatíveis. Isso pode ser incômodo, mas lembra de maneira notável a vida que levamos.

As três obras têm aspectos semelhantes. Contudo levam a significações distintas. A pintura de Cássio e suas permutações falam de relações que encontram sua identidade no exato momento em que mantêm proximidade com outras cores que transformam sua aparência. As cores de Paulo são mais terrenas, brotam aí como frutos de solos férteis. Renata Tassinari lida com cores mais volúveis e artificiais. E nunca saberemos com certeza como as observarmos. Nesta exposição há uma singularidade a mais: os oito paralelepípedos estreitos como linhas são dispostos paralelamente, mas desencontrados. Isso e mais as fragmentações proporcionadas pelas cores, produzem um desequilíbrio notável ao conjunto.

Elizabeth Jobim, Paulo Monteiro

Os desenhos de Elizabeth Jobim e de Paulo Monteiro foram expostos há algum tempo. Os desenhos azuis de Beth foram feitos entre 2001 e 2003; os desenhos de Paulo Monteiro são anteriores, realizados em grafite sobre papel na segunda década de 1990.

Os trabalhos de Elizabeth Jobim são feitos com uma maior presença da mão. Entre as áreas dos desenhos há uma alternância entre cheios e vazios, entre linhas mais largas e mais estreitas. Uma dinâmica bem-humorada move esses traços paradoxais... que escorrem. Ao mesmo tempo as regiões azuis insistem em atrair mais o olhar, embora saibam que sua situação instável está na base de sua força sensível.

Nos trabalhos de Paulo Monteiro os traços de grafite são mais marcados que os de Elizabeth Jobim. Têm uma presença visualmente mais leve, embora ajam nas folhas de papel com decisão e capacidade de romper a aparência homogênea das superfícies de papel. Nesse sentido as linhas de Paulo Monteiro lembram as delicadas linhas de Mira Schendel, também elas sutis e marcantes. No entanto, como mencionou Alberto Tassinari, por vezes os traços de Paulo sugerem aspectos de corpos humanos: torsos, fragmentos de membros. Essa lembrança do corpo humano, no entanto, a faz desaparecer no espaço real, pois a vizinhança com os limites das margens do papel não permite que a lembrança corporal se cumpra.

Os desenhos de Elizabeth Jobim baseiam-se na observação de pedras irregulares que aos poucos, pelo desenho, encontram uma unidade, instável mas mesmo assim uma unidade. Os desenhos de Paulo Monteiro não têm relações em que as partes se mostram articuladamente. Os volumes apenas sugerem uma unidade cujo movimento jamais se realizará plenamente.

A grande tradição da natureza-morta, que remonta aos afrescos de Pompéia, com momentos altíssimos – Zurbarán, Chardin, as naturezas-mortas de Cézanne até Morandi – teria obtido uma realização fabulosa. Esso estilo menos privilegiado (de par com a pintura de gênero), possivelmente pela ausência de qualquer retórica, tornou o gênero mais adequado para a obtenção, por meios principalmente pictóricos, a região por excelência da demonstração de uma existência mais pacífica, realizada por práticas não violentas.

Nos desenhos de Paulo e Beth esse estilo empasta-se dos “Últimos dias de paupéria”, como escreveu Torquato Neto: “Escute, meu chapa: um poeta não se faz com versos. É o risco, é estar sempre a perigo sem medo, é inventar o perigo e estar sempre recriando dificuldades pelo menos maiores, é destruir a linguagem e explodir com ela (…). Quem não se arrisca não pode berrar."

Nos nossos dias, os dois artistas fizeram o que puderam para restituir a harmonia sugerida pela tradição da natureza-morta. Possivelmente apenas a amizade, o diálogo e outras poucas práticas ainda mantenham esse ideal no horizonte.

Helena Carvalhosa e Germana Monte-Mór

A pintura de Helena Carvalhosa e de Germana Monte-Mór tem poucos aspectos semelhantes. Germana muitas vezes trabalha com motivos orgânicos. E para que cada trabalho adquira maior singularidade, a artista lança mão com frequência de séries de telas de dimensões iguais. Assim, elementos próximos têm cores e contornos que sobressaem entre si, em vez de assemelhar-se.

Pedras sobrepostas, ondulações coloridas, figuras que se tocam levemente ou pesam sensualmente. Trata-se de volumes paradoxais. Seu peso perde a gravidade pela vitalidade das cores. A alternância de contornos, de disposição das massas, de luminosidades desenha um colar primitivo feito de contas encantadas que devem transmitir seu poder a quem ousar usá-los.

Helena Carvalhosa também lida com formas irregulares. Por vezes usa cores mais alegres, outras emprega tons mais baixos, que lembram o uso de pastel, embora sempre utilize o óleo. Várias vezes surgem mesas, flores ou outros objetos. Contudo a figuração tem papel subsidiário nas suas telas. Matisse – que concebe a cor de maneira mais luminosamente que Helena – também usa de forma recorrente a ambiguidade entre objetos reais e seus acidentes (padronagens, estampas, motivos decorativos etc.) para estilhaçar a inteireza da realidade.

Nas pinturas de Helena as áreas de cor são mais extensas e tocam entre si. Nas obras de Germana as cores são menos extensas e se recusam ao contato entre elas. Esses detalhes não constituem simples aspectos irrelevantes. Nos motivos de Germana forças parecem conduzi-las para cima ou para baixo. Helena faz suas cores flutuarem.

Nas duas obras há vínculos distintos com o espaço. Em ambas há uma compreensão dos limites precários e ambíguos da amplidão e da estreiteza da artificialidade da realidade contemporânea. Afinal, estamos tão conectados a pessoas e coisas que mal sabemos o sentido da solidão.

Laura Vinci e Nelson Felix

As esculturas de Laura Vinci e de Nelson Felix lidam com questões diferentes. Uma natureza-morta, no caso de Laura, composta de uma mesa com 0,50 altura x 1,50 largura x 2,10 m comprimento feita de mármore. Sobre ela repousam dezenas de maçãs e vários sólidos feitos do mesmo material. Da mesa caem muitas maçãs e alguns sólidos.

Já a obra de Nelson é composta por duas flautas (uma delas divida em duas partes e sobrepostas) com 40 centímetros de diâmetro. Em vez das chaves que modulam o sopro de ar, há em cada um dos cilindros gravadas profundamente (até atravessar o diâmetro) a palavra BERCEUSE (“canção de ninar”, em francês).

Na parte em que me referi aos desenhos de Elizabeth Jobim e Paulo Monteiro já mencionei alguns sentidos decisivos que esse gênero adquiriu sobretudo a partir do século XVII e sua associação – feita por historiadores como Charles de Tolnay e Mayer Schapiro – pelo esforço de vários pintores de tornar sensível a experiência de uma relativa unidade entre natureza e humanidade por meio de um fazer não-violento em oposição às ações conduzidas pela força e pressão.

Na obra de Laura, volta a questão apresentada nos desenhos de Beth e Paulo – ou seja, propor a experiência de uma harmonia entre natureza, cultura e sociedade dada a impossibilidade do mundo contemporâneo. As maçãs não têm termo comum com os sólidos regulares, não há solidariedade entre objetos geométricos e frutos da natureza. A mesa de mármore remete mais a ritos sacrificiais oferecidos a um deus que poderia unir-nos, tivéssemos em fé em algo que nos irmanasse.

“Berceuse” talvez fale de algo primordial e capaz de aproximarmo-nos ao mundo natural e social. Realmente o sopro parece ser o elemento capaz de ampliar o sentido da escultura. Na mitologia grega a música e a flauta são simbolizados pelo sátiro Marsias ou Mársias. Ele passa a se considerar um músico tão perfeito que desafia Apolo para uma competição, sendo que o vencedor teria o direito de punir o perdedor. Apolo vence, Marsias é amarrado a uma árvore e esfolado vivo.

São tantas as evocações despertadas pelos termos “berceuse”, “flauta” e “música” que é necessário nos determos em significados que tenham trânsito mais corrente na imaginação do público. Há na Bíblia várias passagens em que “Então o Senhor modelou o ser humano do pó da terra, feito argila, e soprou em suas narinas o fôlego de vida, e o homem se tornou um ser vivente.” (Gênesis 2:7).

A natureza-morta tendeaevocar a aproximação dos seres e objetos diferentes. As mudanças históricas levaram esse gênero passar por mudanças significativas, a ponto de sugerir a perda do seu significado original. Essa flexibilidade – o convívio de um peixe, uma faca, uma taça de estanho mais a capacidade de aproximá-las por luzes, tons, composições, pinceladas – tornou-a o lugar da aproximação das incongruências, que fariam a cada momento.

Laura algumas vezes trabalhou com sentidos do tempo. Ampulhetas, vapores, gelo, luzes pouco definidas etc. Ela procura estabelecer um equilíbrio em relação a vários objetos por meio de uma metamorfose, uma transição serena, oposta ao produzido industrialmente.

Já o som, ainda que harmonizável, aspira à expansão, uma ampliação que prescinda de ordem clara. Os instrumentos de sopro tradicionais – berrantes, pios de madeira usados atrair pássaros etc. – se prestam a dimensões utilitárias e usados ainda hoje em regiões do Brasil. Acredito que o afastamento da tradição erudita e religiosa possibilita aproximá-los mais das canções de ninar, como a esplêndida “Boi da cara preta”, que poderia se composta por Dorival Caimmy.

II Abstração e figuração

Pessoas não acostumadas a conviver com obras de arte – sobretudo com trabalhos abstratos – tendem a projetar aspectos mentais e afetivos a esculturas, desenhos ou telas. O afastamento de questões ligadas a espectos visuais muitas vezes nos levam – até por generosidade, ou seja, nos colocarmos na posição dos outros – à convicção de que representamos tão simplesmente o que temos diante dos olhos, prescindindo dos sistemas representativos, das técnicas etc. Como se a arte fosse um espelho a refletir aspectos do mundo. Nesse caso a história da arte seria uma história dos espelhos e não uma história de estilos e de indivíduos que a realizou.

Em relação à arte abstrata os desencontros são ainda mais frequentes e danosos. A longa tradição figurativa e as diferenças marcadas de estilos – renascimento, barroco, romantismo etc. – possivelmente leve o público das artes figurativas a perceber os vários esquemas representativos que medeiam o mundo – imaginado ou real.

Construtivismo, neoplasticismo, tachismo, expressionismo abstrato etc. também possibilitam o reconhecimento de diferentes atitudes relativas à realização de soluções visuais diversas, embora aqui o significado dos sistemas representativos tende a flutuar, já que não temos uma realidade a ser representada.

Por que então o tema realmente constitui um aspecto diferencial (e não qualitativo) tanto para leigos quanto críticos, colecionadores, galeristas etc.? Acredito que a resposta, sempre aquém à pergunta, pode partir de uma colocação prosaica: as obras figurativas representam objetos reais ou imaginados; as obras abstratas expõem cores, linhas de vários formatos (retas, curvas etc.), planos, figuras geométricas ou não, proporções, ritmos e assim por diante.

Tradicionalmente os comentadores afirmam (e me incluo entre eles) que a representação figurativa tende a remeter a percepção a um espaço tridimensional – um aspecto que tanto a arte moderna quanto a arte contemporânea em geral descartaram, ainda que vários artistas a tenha posto em xeque, como as ninfeias de Monet, as naturezas-mortas de Morandi etc.

Em princípio, as obras abstratas produziriam uma impressão de profundidade apenas óptica. Cores que avançam e recuam, linhas que tendem a ser mais planares que as curvas e assim por adiante. Do mesmo modo várias obras podem igualmente suscitar sensações diferentes. Muitas das telas de Jackson Pollock parecem avançar sobre os observadores e as pinturas de Mark Rothko sugere uma atmosfera luminosa que nos envolvem.

Mas afinal para que serve esta discussão?

III Arte, significação e tempos de paupéria

Quis esclarecer a impossibilidade de estabelecermos uma distinção marcante tanto qualificativa quanto visual entre figuração e abstracionismo, embora qualquer leigo saiba diferenciá-los.

O que diferencia as obras de arte é a capacidade de produzir experiências que nos torne capazes de nos sentirmos mais do que somos. E a resposta só pode ser dada por pessoas que estejam disponíveis a não sermos – ao menos por um instante – idênticos a nós mesmos. Falo de um estado de crise e por essa estrita razão a arte é crítica. Não é política nem conscientizadora.

Não acredito haver maior potência estética entre figuração e abstração. Aqueles que nascemos por volta de 1950 do século passado nos sentimos dificilmente à vontade na realidade social e cultural dos nossos dias. Ainda que dar às costas a ela conduz apenas a ressentimentos. O que dizermos então da capacidade de identificarmos as clivagens das classes sociais, novos grupos agregados por interesses identitários de gênero, étnicos, culturais etc.? E como utilizar nossas bússolas para nos orientarmos política e eticamente?

Os vínculos entre as artes visuais e as realidades históricas são complexos. Nada mecânicos. Mesmo durante um processo tão radical de transformação como o que se dá na passagem dos séculos 18 e 19 – com a Revolução Francesa e a Revolução Industrial – é incrível observar como não houve nas artes visuais soluções à altura do Iluminismo francês ou da filosofia kantiana.

Estou convencido de que, diante desses impasses, muitos artistas e intelectuais recorrem a soluções do passado, até que surjam modos realmente novos de experimentar e representar essas situações inéditas. Durante o período que mencionei há uma aristocratização do período barroco, que se convencionou nomear de rococó ou arte cortesã. Pouco depois prevalece o neoclassicismo francês, cujo principal represente é o pintor Jacques-Louis David.

Sem dúvida há nos dois movimentos artistas de interesse, ainda que ambos procurem validar-se reatando com o passado, seja com bucolismo greco-romano (no caso do rococó) seja com o classicismo academicizado (no caso de David). A arte realmente à altura de seu tempo só virá com Manet, com os impressionistas, o realismo de Courbet e o pós-impressionismo de Cézanne, Van Gogh, Gauguin e Seurat e Signac, com todos os seus desdobramentos, mais ou menos felizes, no século 20.

Estou convencido que a forte presença na pintura contemporânea de temas políticos se explica pela ausência de políticas propriamente ditas que estejam à altura dos dilemas atuais, tão diferentes do tempo das revoluções dos séculos XIX e XX.

Costumeiramente chamamos política a arte de Cildo Meireles ou William Kentridge, apenas para nos limitarmos a artistas vivos. E de fato Cildo lida com uma matéria que identificamos com facilidade, seja a violência política, contra indígenas, loucos etc. Não é o carimbo numa nota de dinheiro escrito “Quem matou Herzog?” que a transforma em algo mais, numa manobra duchampiana, embora Duchamp interesse muito a Cildo Meireles. O artista se vale da circulação que caracteriza o dinheiro, o “equivalente universal”, essa mercadoria capaz de medir todas demais mercadorias, para pôr em xeque o próprio objeto como tal, na medida em que já não sabemos mais se temos nas mãos R$ 1 ou algo mais. Arte?

Façamos um exercício mental. Ponhamos uma palavra-de-ordem central na luta contra a ditadura militar brasileira. “Anistia já!” Basta trocarmos o sinal de exclamação pelo sinal de interrogação (“Anistia já?”) para criarmos uma afirmação enigmática, digna das tantas tiradas pintadas nas ruas de 1968 em vários muros mundo afora.

IV Eppur si muove

O significado que as obras de arte despertam em nossos sentidos nunca é unívoco. Muitas vezes a sua complexidade é tal que abdicamos de buscá-los. No entanto por que somos levados a emitir um juízo sobre um quadro, poema, música, uma peça de teatro ou dança estejamos acompanhados ou a sós? Ainda que essa formulação se resuma a “Gostei” ou “Não gostei”?

Milhares de mulheres e homens interrogaram-se sobre essa questão sem chegar a uma conclusão. Muitas vezes há tal concordância em torno de algumas obras que tendemos a tomá-las como eternas, perfeitas ou outro adjetivo superlativo.

Quanto mais uma obra de arte for capaz de nos interrogar acerca de seu sentido melhor será. Um cético ou um historicista poderá argumentar que todos esses juízos e valores são provisórios, ilusórios, controversos. Céticos e historicistas costumam procurar apoio em acontecimentos do passado para ancoraram seus argumentos. Assim fizeram os artistas do período rococó ou do neoclassicismo. Como a mulher de Ló, desobedeceram a ordem de Deus para não se voltar para atrás, para testemunhar os horrores que coube aos habitantes de Sodoma e Gomorra. O Senhor transformou-a em uma estátua de sal.