1998

Lorenzo Mammi

Galeria Valú Oria

Nos primeiros trabalhos, a cor de Renata Tassinari descendia diretamente da cor de Matisse: cada tom se afirmava por si, como valor autônomo e independente, e ao mesmo tempo realçava a autonomia dos tons vizinhos, em vez de fazer média com eles. Era uma pintura sem sombras, em que as tintas se tornavam mais luminosas na medida em que se justapunham na tela. Os pedaços de papelão e outros pequenos acidentes que a artista colocava no suporte, embaixo das camadas de tinta, não chegavam a interferir nessa luminosidade. Confirmavam, ao contrário, seu caráter imperturbável, sua independência em relação à irregularidade da superfície.A cor, nesses trabalhos, era algo de imediato, à flor da pele.

Aos poucos, as telas começavam a admitir regiões mais turvas: a luz, ainda triunfante em algumas áreas do quadro, afundava em outras. Em compensação, começavam a aparecer listras de tinta dourada que, em relação às regiões escuras, determinavam empinadas repentinas de luz. Mas o brilho do ouro não é luz encorpada, resolvida na superfície da tela, e sim luz reflexa, que vem de fora. Criava-se assim uma gradação entre áreas de cor mais opaca, opticamente mais recuadas, áreas de cor plena, em perfeita coincidência com o plano, e áreas de brilho, cujo ponto de intensidade máxima está sobre, e não dentro da superfície. Essa diferenciação ideal dos planos correspondia a um enxugamento da diagramação dos campos de cor, que agora se organizava de forma mais simples, por listras ou por grandes retângulos, numa rítmica irregular que lembrava as pinturas de Sued. Mas Sued trabalha de forma serial, por sucessões em que todas as cores têm igual potência, e cada uma poderia, em tese, ocupar o lugar de qualquer outra. Renata Tassinari, ao contrário, admite centros tonais, momentos de plenitude, ao lado de regiões que ficam aquém, ou vão além do ponto.

As últimas obras me parecem marcar outra fase no trabalho do artista. As diferentes gradações de cor não mais se contrapõem entre si, mas, de uma certa maneira, deságuam uma na outra, como diferentes momentos de um processo. Antes de aparecer nas telas, essa mudança tornou-se evidente nos desenhos. Nos trabalhos sobre papel, onde o suporte se imbui da tinta, criando um halo em volta da área colorida, a cor emerge progressivamente. Ela não está numa determinada situação de luz. Ela vem à luz. Nesse contexto, os toques de ouro já não são elementos de contraste, mas ápices numa intensificação progressiva. Lembram as lumeggiature, os pingos de ouro que, nas miniaturas, marcam os pontos mais expostos à luz das figuras.

Nas pinturas, a transição de um mínimo a um máximo de intensidade é determinada pela relação fluida entre as cores. A cor, agora, vem de longe: embaixo da tinta de superfície, há uma camada de outra tinta, que é invisível uma vez o trabalho acabado, mas que determina a qualidade da camada aparente. Melhor dizendo, essa cor de fundo não está totalmente oculta: transparece em frestas sutis, na transição entre uma faixa de cor e outra. E essas faixas, aliás, já não são geometricamente tão exatas, como nos trabalhos mais antigos: possuem contornos um tanto moles, que denunciam as incertezas da mão que os traçou. Se a diagramação da fase anterior lembrava Sued, agora a preocupação em tornar evidente, pela imprecisão, o caráter de artefato da cor – e portanto, mais uma vez, o processo, a história da obra – remete à arte de Volpi.

Algumas das telas recentes utilizam – pela primeira vez na obra de Renata Tassinari – o branco como região de luminosidade máxima. Melhor ainda: dois valores diferentes de branco, distintos apenas pela direção da pincelada. O branco, sabe-se, é a suma de todas as cores, quando as cores são consideradas como diáfanas à luz (quando as cores apenas refletem a luz, a suma delas é o preto). Mas essa adição, aqui, não é matemática, ou ideal: embora o mesmo ponto de branco seja utilizado em telas diferentes, ele nunca se apresenta igual. Determina-se, ao contrário, pela faixa de cor que confina com ele, e da qual parece provir. O branco que vem do laranja é diferente do branco que vem do azul, não pela tonalidade em si, mas pela sua história. A passagem para o branco nunca é no entanto, uma intensificação dramática. É antes, uma sedimentação, ou uma purificação pelo manuseio. Uma transição plácida, que sugere uma familiaridade paciente.