1989

Lorenzo Mammi

Galeria Millan

Há algum tempo, Renata Tassinari colava pequenos objetos (pregos, réguas etc.) na tela, para depois recobri-los de uma tinta uniforme, em vastas extensões monocromas. Esses objetos desapareceram com o tempo; permaneceu, no entanto, uma certa inquietude e irregularidade da superfície, obtida da superposição de folhas de jornal, papelão, tiras de madeira. Paralelamente, a pintura se fez mais densa e compacta, graças também à passagem da tinta a óleo à cera cáustica. Superfície e cor continuam a ser os dois pólos da pesquisa de Renata Tassinari, mas agora esses elementos estão presentes de modo mais essencial, e a relação entre eles é a mais límpida.

A cor é, sem dúvida, o pólo de atração mais forte, aquele que ocupa o centro do quadro com maior evidência. O modo pelo qual se dilata em grandes áreas justapostas sugere ao olhar um ritmo tranqüilo, extremamente lento. É justamente este ritmo, aliado à relação irregular e sempre diferente com o suporte, que sugere uma contemplação estática, isolada, de cada área de cor, como simples apresentação de uma qualidade sensível, e não como função de uma composição. Em outras palavras, as cores não estão tanto em relação entre si, quanto estabelecem uma relação vertical, ponto por ponto, com a superfície que recobrem. Como num mapa, a cor se apresenta mais como característica de uma área do que como parte de um desenho.

Os dois sistemas (um, traçado pela irregularidade do plano; e outro, delimitado pelos quadrados coloridos) reforçam-se reciprocamente, num movimento em espiral: a superfície sempre diferente torna ainda mais lento o olhar e, logo, acentua a percepção da cor como qualidade intrínseca, não em relação. Por outro lado, a cor pode ousar mais, assumir tons mais atrevidos, quase pops, porque a superfície, refreando-a, põe em discussão sua luminosidade. Pode-se até inverter, nesse sentido, a imagem do mapa; como a cor é a característica própria da área que recobre, assim, a qualidade dessa área passa a ser imediatamente qualidade da cor. A irregularidade da superfície assume a função que normalmente é delegada à mistura dos pigmentos, à procura do tom exato da tinta: ela questiona a vivacidade cromática, esfuma-a.

O retardamento da percepção, uma certa viscosidade da imagem são tendência comum – ainda que provavelmente não programática – de considerável parte da jovem pintura paulista. Renata Tassinari apresenta, porém, uma vertente nova. Não há aqui o espessamento da matéria pictórica – mesmo com o uso de um material denso como a cera, o pigmento continua a ser essencialmente cor. Não há tampouco projeções em direção à tridimensionalidade, nem intenções de estratificação – embora acidentada, a superfície permanece unitária. O ato de pintar, como ação que confere uma certa extensão a uma qualidade sensível, absorve todas as contradições da matéria e as elude, sem cancelá-las. Há um tom de otimismo, nesses quadros, que certamente não é mera alegria de cores vivazes. É mais uma aposta na substancial homogeneidade do diferente, na possibilidade de dominá-lo num mecanismo unitário da visão. O testemunho que, apesar da descontinuidade do real, uma extensão de cor continua a ser possível.